quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Por que somos éticos?

Ética, o que é? Para início de conversa, uma ciência.
Ética é uma ciência à medida que os homens começaram a observar e a teorizar sobre o comportamento dos homens. Passaram a se questionar, ou melhor, a questionar o vizinho. Por que uns cumpriam de uma forma o que achavam seu dever para com a sociedade, contribuindo para que as coisas andassem bem e até ajudavam o próximo, enquanto outros eram egoístas, perniciosos, injustos e presunçosos? O que levava o indivíduo a se comportar deste ou daquele jeito, e quais as regras gerais de comportamento mais aceitas pelo conjunto? Por que alguns espertos tentavam impor normas aos demais, livrando-se de cumpri-las?
Logo se chegou à conclusão de ser a liberdade o fator principal do comportamento humano, porque faltando-lhe a liberdade, o indivíduo ficava impedido de agir conforme sua própria vontade. Com ela, agia para melhorar ou para piorar o meio social onde vivia. Sem ela, impossibilitado de se comportar conforme sua determinação transformava-se num escravo.
Por que somos éticos? Encontram-se aos milhares as correntes dedicadas a analisar a Ética, desde tempos imemoriais. Somos éticos para que a sociedade funcione bem? Para nos sentirmos bem, internamente? Para agradar ao próximo? Para obrigar o colega do lado a também ser ético? As teorias fluem e refluem, chocam-se, despertam seus contrários e jamais se encontrará nelas a verdade absoluta, a resposta final para a questão. Ética não é uma ciência exata.
Mesmo inconscientemente, quando a temos, usamos nossa liberdade para atingir algum fim, qualquer que seja ele.
Xenófanes, pré-socrático, sustentava ser a Ética um monte de regras inventadas por estadistas interessados em dominar os semelhantes. Demócrito dizia que apenas com o conhecimento se chegaria ao exercício da Ética. Protágoras supunha a Ética incrustada na mente dos homens. Georgias de Leontino replicava afirmando que ela se baseava apenas nos sentidos. Sócrates concordou em que só o conhecimento conduzia ao comportamento ético, mas embaralhou as cartas ao acrescentar que o conhecimento também levava à anti-Ética, porque a força se transformara num direito, e a justiça, num interesse.
Platão defendeu a criação artificial de homens éticos. Para tanto certas crianças, fisicamente perfeitas, seriam separadas das mães e do convívio dos cidadãos comuns quando completassem sete anos. Aristóteles era, para Platão, o bezerro que ele havia criado e agora lhe dava coices, pois escreveu ser a Ética o caminho individual para a felicidade: o homem é ético para sentir-se bem com ele mesmo, pouco se importando com os resultados de seu comportamento na sociedade, se para aprimorá-la ou piorá-la.
Jesus, Paulo de Tarso, Santo Agostinho, Santo Thomás de Aquino e depois os escolásticos misturaram a Ética com a religião. A Ética, para eles, visava ao reino dos céus, a “Cidade de Deus”, não se constituindo num fim em si mesma, mas em princípios criados pelo Padre Eterno para conduzir os homens ao Paraíso.Maquiavel desprezou a Ética individual estabelecendo importar apenas o funcionamento do regime político, para o qual a Ética deveria estar voltada. Disse que a violência e a fraude muitas vezes poderiam ser éticas, desde que contribuíssem para o sucesso de um governo capaz de atender as necessidades dos governados. Sentimentos pessoais, inclinações e realizações íntimas não vinham ao caso.
Erasmo de Rotterdam melou o jogo ao comparar os monges a asnos, quando eles se preocupavam apenas com a forma e com os rituais, esquecendo-se do conteúdo, o indivíduo. A força motriz da Ética era, para ele, a busca da paz.
Thomas Hobbes, aquele que sustentou ser o homem o lobo do homem, dizia ser ético por egoísmo: para que o colega do lado também fosse ético com ele. Spinoza confirmou que apenas seremos éticos dispondo do conhecimento, capaz de levar-nos à liberdade e à felicidade. Voltaire defendeu fundamentar-se a Ética nas boas intenções de homens ingênuos e pobres, como revanche contra os homens ricos e maus. Para Rousseau, se somos livres seremos obrigados e compelidos a ser éticos, e para Kant a Ética transcende o indivíduo, existindo como valor universal.
Para Hegel, a Ética visa unificar a conduta e o caráter. Marx atrela a Ética às lutas de classe. Nega a universalidade da Ética e fala que a Ética do operário jamais será a Ética do patrão. Nietsche criou a Ética da violência, ou seja, ético é o que luta, vence e sobrevive. O que perde e fracassa não é ético. Max Weber estabelece a Ética do lucro e da avareza: ético é ganhar dinheiro. Jacques Maritain volta a Aristóteles. Para ele, a Ética se localiza no âmago do indivíduo, não na experiência nem nas exigências do mundo à nossa volta.
Somos éticos para nos realizarmos internamente, e essa realização leva ao bem-comum. Marcuse ensina a necessidade de ser ético através da satisfação das necessidades do indivíduo e da sociedade. Noam Chomsky, nos dias de hoje, condena a Ética do capitalismo, que destrói a Ética do cidadão.
Quem quiser que opte por uma dessas teorias, ou por milhares de outras igualmente originais e conflitantes. Ou será melhor misturar algumas? Quem sabe criar outras? Já se disse que um gigante vê o horizonte melhor do que alguém de estatura média, mas um anão colocado sobre os ombros do gigante não verá mais longe ainda?
É preciso distinguir a Ética, como ciência do comportamento humano, de outros valores encontrados na sociedade. Não há uma resposta para todas as perguntas. Inexistem as verdades absolutas, mas a Ética, e vai ai uma afirmação que pode ser contestada, é universal. Não varia no tempo nem no espaço, ainda que novas situações éticas estejam sempre sendo criadas. Décadas atrás não havia a Ética cibernética, porque não havia computadores. Hoje, a Ética condena os hakers, como condena quantos se dediquem a espalhar vírus pelos computadores alheios.
O que varia no tempo e no espaço é a Moral, irmã mais nova e mais frágil da Ética. Como sempre, valem os exemplos: na década de cinqüenta eram levadas pelos camburões da polícia, presas como prostitutas, as moças que ousavam ir à praia usando biquínis. As mães tapavam os olhos dos filhos adolescentes, os moleques jogavam areia e vaiavam a moda. Hoje, além do biquíni, aí estão o monoquíni e até o “nãoquini”. Da mesma forma, em nossa sociedade ocidental, um homem só pode estar oficialmente casado com uma mulher, e vice-versa. Tomando um avião e descendo em Riad, na Arábia Saudita, veremos que um homem pode estar casado com quantas mulheres possa sustentar, num máximo de seis...
A Moral varia temporal e geograficamente enquanto a Ética permanece imutável em seus princípios, não obstante inúmeras teorias em sentido contrário. Não se negará, porém, que utilizamos nossa liberdade para nos comportarmos em sociedade segundo normas que valeram para nossos antepassados e valerão para nossos descendentes, ainda que, importa a repetição, novas situações éticas continuem sendo criadas.
Há complicações. A Ética dos governantes pode ensejar-lhes, porque são governantes, a não revelar aos governados todos os detalhes de planos ainda em elaboração, porque, revelados prematuramente, fracassariam. A Ética dos cientistas e pesquisadores, ao contrário, obriga-os a revelar tudo o que descobriram. Uma idéia, depois de pensada, não pertence mais a quem pensou. Pertence à sociedade, porque para pensar e pesquisar ele nasceu, foi criado e sustentado pela sociedade.

Por Carlos Chagas, da Tribuna da Imprensa

OS INDIFERENTES

Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel* acredito que “viver significa tomar partido”. Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.
A indiferença é o peso morto da história. É a bala de chumbo para o inovador, é a matéria inerte em que se afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, é o fosso que circunda a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas muralhas, melhor do que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes, os dizima e desencoraja e, às vezes, os leva a desistir de gesta heróica.
A indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas atua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os planos mesmo os mais bem construídos; é a matéria bruta que se revolta contra a inteligência e a sufoca. O que acontece, o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um ato heróico (de valor universal) pode gerar, não se fica a dever tanto à iniciativa dos poucos que atuam quanto à indiferença, ao absentismo dos outros que são muitos. O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça quanto porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa enrolar os nós que, depois, só a espada pode desfazer, deixa promulgar leis que depois só a revolta fará anular, deixa subir ao poder homens que, depois, só uma sublevação poderá derrubar. A fatalidade, que parece dominar a história, não é mais do que a aparência ilusória desta indiferença, deste absentismo. Há fatos que amadurecem na sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se preocupa com isso. Os destinos de uma época são manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos, de acordo com ambições e paixões pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens não se preocupa com isso. Mas os fatos que amadureceram vêm à superfície; o tecido feito na sombra chega ao seu fim, e então parece ser a fatalidade a arrastar tudo e todos, parece que a história não é mais do que um gigantesco fenômeno natural, uma erupção, um terremoto, de que são todos vítimas, o que quis e o que não quis, quem sabia e quem não sabia, quem se mostrou ativo e quem foi indiferente. Estes então zangam-se, queriam eximir-se às conseqüências, queriam que se visse que não deram o seu aval, que não são responsáveis. Alguns choramingam piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse procurado fazer valer a minha vontade, o meu parecer, teria sucedido o que sucedeu? Mas nenhum ou poucos atribuem à sua indiferença, ao seu cepticismo, ao fato de não ter dado o seu braço e a sua atividade àqueles grupos de cidadãos que, precisamente para evitarem esse mal combatiam (com o propósito) de procurar o tal bem (que) pretendiam.
A maior parte deles, porém, perante fatos consumados prefere falar de insucessos ideais, de programas definitivamente desmoronados e de outras brincadeiras semelhantes. Recomeçam assim à falta de qualquer responsabilidade. E não por não verem claramente as coisas, e, por vezes, não serem capazes de perspectivar excelentes soluções para os problemas mais urgentes, ou para aqueles que, embora requerendo uma ampla preparação e tempo, são todavia igualmente urgentes. Mas essas soluções são belissimamente infecundas; mas esse contributo para a vida coletiva não é animado por qualquer luz moral; é produto da curiosidade intelectual, não do pungente sentido de uma responsabilidade histórica que quer que todos sejam ativos na vida, que não admite agnosticismos e indiferenças de nenhum gênero.
Odeio os indiferentes, também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente, do que fizeram e sobretudo do que não fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Nessa cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido, qualquer coisa que aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência dos cidadãos. Ninguém estará à janela a olhar enquanto um pequeno grupo se sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem esteja à janela emboscado, e que pretenda usufruir do pouco bem que a atividade de um pequeno grupo tenta realizar e afogue a sua desilusão vituperando o sacrificado, porque não conseguiu o seu intento.
Vivo, sou militante. Por isso odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes.

*Christian Friedrich Hebbel, teatrólogo e poeta germânico (1813 – 1863).

Primeira Edição: La Città Futura, 11-2-1917
Origem da presente Transcrição: Texto retirado do livro Convite à Leitura de Gramsci”
Tradução: Pedro Celso Uchôa Cavalcanti.
Transcrição de: Alexandre Linares para o Marxists Internet Archive
HTML de: Fernando A. S. Araújo
Direitos de Reprodução: Marxists Internet Archive (marxists.org), 2005. A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Trainspotting - Sem Limites

Falar sobre a temática das drogas nem sempre é fácil pois o perigo de cair em clichês pode ser às vezes interpretado como uma apologia ou uma forma simplista de retratar a realidade. Este filme mostra a forma "crua" como um viciado encara a difícil tarefa de tentar se desvencilhar das drogas. Vale a pena conferir as metáforas apresentadas em algumas cenas, como a que um dos personagens tem que "mergulhar" numa privada para recuperar sua droga.
O filme vale como alerta e advertência para aqueles que ainda não experimentaram as drogas, e mais ainda, é uma forma de mostrar uma saída para aqueles que estão envolvidos nesse terrível mundo.

O Filme:

Em Edimburgo (Escócia), alguns "amigos" que na verdade são ladrões e viciados, caminham inexoravelmente para o fim desta amizade e, simultaneamente (com exceção de um do bando), marcham para a auto-destruição. É a história de quatro jovens sem perspectivas que mergulham no submundo para manter seu vício pela heroína. Com direção de Danny Boyle (Cova Rasa) e Ewan McGregor e Robert Carlyle no elenco. Recebeu uma indicação ao Oscar.

Ficha Técnica
Título Original: Trainspotting
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 96 minutos
Ano de Lançamento (Inglaterra): 1996
Direção: Danny Boyle
Roteiro: John Hodge, baseado em livro de Irvine Welsh
Elenco: Ewan McGregor (Mark Renton)Ewen Bremner (Daniel Murphy) Jonny Le Miller (Simon David Williamson) Kevin McKidd (Tommy MacKenzie) Robert Carlyle (Francis Begbie)Kelly MacDonald (Diane) Peter Mullan (Swanney)James Cosmo (Sr. Renton) Eileen Nicholas (Sra. Renton) Susan Vidler (Allison) Pauline Lynch (Lizzy)

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O Enigma de Kaspar Hauser

“Vocês não conseguem ouvir esses gritos amedrontadores que habitualmente chamam de silêncio?"

Qual é a verdadeira essência da natureza humana? Este questionamento vem intrigando os estudiosos das ciências humanas e inicialmente a Filosofia, desde os tempos mais remotos. Fazendo uma menção que tomo de empréstimo da Sociologia, esta assevera que o homem somente se constitui como tal quando interage com o meio social, ou seja, a sociedade é determinante na formação do indivíduo, dando-lhe os referenciais necessários para uma vida completa.
E se o ser humano é desprovido da convivência social? Como se constituirá a sua vida? Mesmo vivendo isolado do contato com outras pessoas, seria possível o desenvolvimento das potencialidades e habilidades ditas humanas? Partindo destes e de outros questionamentos que vão surgindo ao longo das pretensas respostas é que colocamos como fruto de análise do caso real de Kaspar Hauser. Um menino que apareceu pela primeira vez numa praça de Nuremberg (Alemanha), em 26 de maio de 1828.
O fato da população de uma cidade ter encontrado um jovem abandonado já é motivo de espanto, uma vez que ninguém sabia quem era ou de onde vinha. Mas, alguns sinais iam revelando aos poucos quem era aquele estranho. O menino trazia uma um pequeno livro de orações, entre outros itens que indicavam que ele provavelmente pertencia a uma família da nobreza. Mas, numa carta de apresentação anônima para o capitão da cavalaria local causou perplexidade o detalhe de que ele fora criado sem nenhum contato humano, em um porão, desde o nascimento até aquela idade (provavelmente 15 ou 16 anos) e pedindo que fizessem dele um cavaleiro como fora seu pai. Ele próprio se vê, de repente, num mundo estranho. O caso foi mostrado no filme de Werner Herzog, "Jeder für sich und Gott gegen alle" (em língua portuguesa, “Cada um por si e Deus contra todos”), de 1974, lançado no Brasil com o título "O Enigma de Kaspar Hauser". O filme mostra Kaspar Hauser na praça de Nuremberg com um olhar assustado. Na verdade tudo lhe é estranho: as dimensões, os movimentos, a perspectiva, o pensamento, a fala.
Acolhido na casa de um professor que se ocupou de iniciar sua socialização, que não foi tão fácil, pois o garoto não entendia nada do que lhe diziam; sabia falar apenas uma frase: "quero ser cavaleiro" e não sabia andar direito. Parecia um menino dentro de um corpo adolescente. Seu comportamento estranho para os padrões sócio-culturais estabelecidos, causava um misto de espanto e interesse. Era visto como um "garoto selvagem," apesar de demonstrar ser dócil, simples e gentil. Possuía algumas habilidades peculiares interessantes: conseguia enxergar muito longe, no escuro, e sabia tratar os animais, principalmente os pássaros. Ao mesmo tempo tinha medo de galinhas e fugia delas aterrorizado. Numa das cenas do filme, atraído pela chama de uma vela, colocava seu dedo no fogo e, ao sentir dor, aprende que a chama queima.
Graças à sua curiosidade infantil e memória notável, aprendeu várias coisas muito depressa. Kaspar Hauser tornou-se uma espécie de atração por sua história de vida diferente. Todas as pessoas da cidade queriam vê-lo. O filme de Herzog mostra, em uma das cenas, K. Hauser junto com outros indivíduos, tidos como anormais (um anão, um índio e uma criança autista), em exposição num circo.
Com o tempo aprende a falar. Mas mesmo a linguagem não lhe permite capturar esse estranho mundo em que vivem as pessoas. Numa das passagens do filme Kaspar Hauser olha, do campo, a torre em que fica seu quarto e observa que ela é muito menor do que ele próprio. "Como pode ser isto?" pergunta.
Kaspar Hauser se sente confuso, pois não tem a mínima noção de que a distância de onde observava criara uma perspectiva que fazia com que a torre parecesse menor do que realmente era.
Quando seu tutor aproxima-se com ele da torre, vem a observação: "Como esta torre é grande! O homem que a construiu deve ser muito alto!”.
A paisagem em que Kaspar Hauser foi colocado, apesar de explicada pela linguagem, pelas palavras, por signos lingüísticos, permanece, para ele, indecifrável. Muitas vezes, pedia para contar histórias que imaginava, mas não conseguia verbalizar o conteúdo pensado.
Tudo parecia ser complexo para Kaspar Hauser, mas, como ele poderia compreender o significado das palavras e que elas representam coisas, se não passou por um processo de aprendizado e socialização necessários para que compreendesse a representatividade dos signos? Ele próprio se via como um estranho, deslocado, frágil e impotente diante de uma realidade que não conseguia compreender, pelo menos não da forma como esperavam que ele compreendesse. A socialização e o processo de conhecimento da realidade é regulado por uma contínua interação de práticas culturais, percepção e linguagem. Como Kaspar Hauser foi desprovido de tais práticas ele não consegue captar o mundo como o faz a sociedade que o cerca.
Percebemos ao longo do filme que Hauser enfrenta com perplexidade as convenções sociais, os dogmas religiosos, as certezas científicas, vendo tudo com olhos virgens e puros e, portanto, desabituados a enxergar como normal o que assim foi estabelecido. O filme reflete sobre a influência da linguagem e do histórico cultural na percepção da realidade. Isto é, as coisas que aprendemos (gramática, lógica matemática, religião, conhecimentos históricos, comportamentos culturais etc.) afetam a nossa capacidade de compreender os fenômenos que nos circundam. Isto acontece pois, ao associarmos uma idéia a uma palavra ou a uma imagem, estamos limitando o significado da idéia em função de uma definição restrita. As idéias passam a expressar só o que as palavras e imagens conseguem expressar, e não sua abrangência original (antes de serem aprisionadas por palavras e imagens). É como se as idéias fossem coloridas, mas nós só conseguíssemos expressá-las em preto e branco, sacrificando sua integridade original.
Diante de tantas tentativas de entender “O enigma de Kaspar Hauser”, seja como for, ele é incompreendido pela sociedade, que enxerga nele uma anormalidade, tentando até procurar em seu cérebro (após sua morte) uma resposta neurológica para sua condição.
Hauser foi assassinado com uma facada no peito, em dezembro de 1833, nos jardins do palácio de Ansbach. As circunstâncias e motivações ou autoria do crime jamais foram esclarecidas, apesar da recompensa de 10.000 Gulden (c. 180.000,00 Euros) oferecida pelo rei Luís I da Baviera.

Título original: Jeder Für Sich und Gott Gegen Alle (Alemanha, 1974)
Diretor: Werner Herzog
Elenco: Bruno S., Walter Ladengast, Brigitte Mira, Michael Kroecher, Hans Musaeus, Willy Semmelrogge, Florian Fricke
Extras: Biografia de Herzog e trailer
Idioma: Alemão
Gênero: Drama
Duração: 109 min. Cor

Fonte:
Maria Clara Lopes Saboya. O Enigma de Kaspar Hauser (1812?-1833): Uma Abordagem Psicossocial. Psicol. USP. vol.12 no.2 São Paulo 2001

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Você Aprende...

Texto que utilizo nas aulas de Filosofia para refletir acerca da vida e da importância do amor.
"Depois de um tempo, você aprende a diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma. Aprende que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança. Começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas. E começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de uma mulher e não com a aflição de uma criança.
Aprende a construir todas as suas estradas 'hoje', porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em meio ao vão. Depois de um tempo, você aprende que o Sol queima caso fique exposto por muito tempo.
Aprende que não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam... Aceita que não importa quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la, por isso. Também aprende que falar pode aliviar dores emocionais.
Descobre que se leva anos para construir confiança e apenas segundos para destruí-la, e que você pode fazer coisas num instante das quais poderá se arrepender pelo resto da vida.
Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias. E o que importa não é o QUE você tem na vida, mas QUEM você tem na vida. E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher.
Aprende que não temos que mudar de amigos se compreendermos que os amigos mudam; percebe que seu melhor amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos.
Descobre que as pessoas com quem você mais se importa, podem sair da sua vida muito depressa; por isso, sempre devemos deixar quem amamos com palavras amorosas, pois pode ser a última vez que os vemos.
Aprende que as circunstâncias e o ambiente acabam influindo sobre nós, mas que nós somos responsáveis por nós mesmos. Começa a aprender que não nos devemos comparar com os outros, mas com o melhor que podemos ser.
Descobre que leva muito tempo para se tornar a pessoa que se quer ser, e que o tempo é curto.
Aprende que não importa aonde já chegou, mas onde está indo;mas se você não sabe para onde está indo, qualquer lugar serve.
Aprende que, ou você controla seus atos ou eles o controlarão, e que ser flexível não significa ser fraco ou não ter personalidade, pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação – sempre existem dois lados.
Aprende que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as conseqüências.
Aprende que paciência requer muita pratica. Descobre que, algumas vezes, a pessoa que você espera que o chute, quando você cai, é uma das poucas que o ajudam a levantar-se.
Aprende que maturidade tem mais a ver com as experiência vivenciadas e com o que você aprendeu com elas, do que com quantos aniversários você celebrou.
Aprende que há mais dos seus pais em você do que supunha. Aprende que nunca se deve dizer a uma criança que 'o seu sonho' é uma bobagem, e que seria uma tragédia se ela acreditasse nisso. Aprende que quando está com raiva tem o direito de estar com raiva, mas isso não lhe dá o direito de ser cruel.
Descobre que só porque alguém não o ama do jeito que você quer, não significa que não o ame, pois existem pessoas que nos amam, mas que, simplesmente, não sabem como demonstrar ou viver este sentimento.
Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem que aprender a perdoar a si mesmo.
Aprende que, com a mesma severidade com que você julga, um dia você será condenado.
Aprende que não importa em quantos pedaços o seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte. Aprende que o tempo não é algo que possa voltar para trás.
Por isso, aprenda a plantar seu jardim e decorar sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe presenteie flores. Aprenda que você pode a tudo suportar, que realmente é forte, e que pode ir muito mais longe, mesmo depois de achar que não o consegue mais. E você aprende, e você aprende, com todos os adeuses, você aprende...
Que, realmente, a vida tem valor e você tem valor diante da vida. Que nossas dádivas são traiçoeiras e nos fazem perder o bem que poderíamos conquistar, se não fosse o medo de tentar."

--Texto: William Shakespeare

domingo, 1 de fevereiro de 2009

O Sonho de Cassandra

Ian (Ewan McGregor) e Terry (Colin Farrell) são irmãos que decidem comprar o barco "Cassandra's Dream", apesar dos problemas financeiros que ambos atravessam. Terry trabalha em uma oficina, mas é viciado no jogo e sempre está às voltas com novas dívidas. Já Ian trabalha no restaurante do pai (John Benfield), mas sonha em largar o negócio para alçar vôos mais altos. Ambos moram com os pais, com a família sendo auxiliada financeiramente pelo tio Howard (Tom Wilkinson). Um dia Howard aparece para uma visita, o que anima Ian e Terry. Eles pretendem pedir dinheiro ao tio, para que possam realizar os sonhos que têm para suas vidas. Howard aceita ajudá-los, mas o que exige em troca muda para sempre a vida dos irmãos.

Título Original: Cassandra's Dream
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 108 minutos
Ano de Lançamento (EUA / Inglaterra / França): 2007
Direção: Woody Allen

DOGVILLE

Anos 30, Dogville, um lugarejo nas Montanhas Rochosas. Grace (Nicole Kidman), uma bela desconhecida, aparece no lugar ao tentar fugir de gângsters. Com o apoio de Tom Edison (Paul Bettany), o auto-designado porta-voz da pequena comunidade, Grace é escondida pela pequena cidade e, em troca, trabalhará para eles. Fica acertado que após duas semanas ocorrerá uma votação para decidir se ela fica. Após este "período de testes" Grace é aprovada por unanimidade, mas quando a procura por ela se intensifica os moradores exigem algo mais em troca do risco de escondê-la. É quando ela descobre de modo duro que nesta cidade a bondade é algo bem relativo, pois Dogville começa a mostrar seus dentes. No entanto Grace carrega um segredo, que pode ser muito perigoso para a cidade.
Longo, porém didaticamente acertado, Dogville explora a natureza humana como poucos filmes hoje em dia. A nota 10 vai para a conclusão do filme, um verdadeira lição de ética.
Título Original: Dogville
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 177 minutos
Ano de Lançamento (França): 2003
Direção: Lars Von Trier

Quando Nietzsche Chorou

Esta é uma envolvente mescla de fato e ficção, um drama de amor, fé e vontade tendo por pano de fundo o fermento intelectual da Viena do século XIX às vésperas do nascimento da psicanálise. Friedrich Nietzsche, o maior filósofo da Europa, Josef Breuer, um dos pais da psicanálise e um pacto secreto... um jovem médico interno de hospital chamado Sigmund Freud: esses elementos se combinam para criar a saga inesquecível de um relacionamento imaginário entre um extraordinário paciente e um terapeuta talentoso. Na abertura deste romance irresistível, a inatingível Lou Salomé roga a Breuer que ajude a tratar o desespero suicida de Nietzsche mediante sua experimental terapia através da conversa. Ao aceitar relutante a tarefa, o eminente médico realiza uma grande descoberta: somente encarando seus próprios demônios internos poderá começar a ajudar seu paciente. Assim, dois homens brilhantes e enigmáticos mergulham nas profundezas de suas próprias obsessões românticas e descobrem o poder redentor da amizade.

A Cura de Schopenhauer

Em A Cura de Schopenhauer, o diagnóstico de um câncer maligno força o renomado psiquiatra Julius Hertzfeld a fazer um balanço de sua vida e de seu trabalho. A depressão e a tristeza dão lugar à vontade de rever pacientes antigos e à pergunta: será que seu trabalho fez alguma diferença na vida daquelas pessoas? Julius resolve procurar Philip Slate, um viciado em sexo e seu fracasso mais retumbante na longa carreira de terapeuta. Ao encontrá-lo, Hertzfeld descobre que Philip curou a si próprio seguindo a filosofia pessimista de Arthur Schopenhauer. E, mais surpreendente ainda, tornou -se um orientador filosófico. Para obter a licença que o habilitaria a atender pacientes, ele propõe a Julius que o supervisione e, em troca, o ensinará o pensamento filosófico de Schopenhauer- segundo ele, a cura para as angústias de Julius em relação à morte iminente. Mas como uma pessoa tão auto-suficiente e com um profundo desprezo pelas pessoas pode se tornar um terapeuta? Julius decide aceitar a proposta, mas exige que Philip participe das sessões de terapia em grupo. A partir daí, o leitor vai acompanhar um embate emocionante entre pacientes e terapeuta, em que cada um expõe seus medos, defesas e fraquezas e aprende a ser mais humano e feliz. Entrelaçando realidade e ficção, A cura de Schopenhauer oferece um recorte fiel dos meandros da terapia em grupo, tendo como pano de fundo a vida e a obra de Arthur Schopenhauer, e revela o doloroso processo de autoconhecimento.