quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O Último Trago

Estava terminando o último cigarro e o cinzeiro já não cabia mais de tão cheio. A cada tragada que dava vinha consigo a lembrança do que tinha acontecido no dia anterior, era como se tentasse juntar um quebra-cabeça que ele possuía menos da metade das suas peças, pois as outras ainda viriam com o decorrer do tempo e estavam presas ao futuro que ele nem sequer tinha pistas de como seria. Ficou então a imaginar se não seria capaz de responder a todas aquelas indagações que pululavam em sua mente tão confusa. Era melhor aguardar, mesmo que a ansiedade lhe perseguisse diante do inesperado.
De repente o cigarro acabou e o sono estava longe de chegar, por mais que estivesse cansado ainda queria continuar suas reflexões. Levantou-se e foi até o quarto afim de encontrar mais cigarros, revirou a bolsa da mulher, mas com cuidado para que ela não acordasse. A busca foi em vão pois lembrou que ela já tinha deixado de fumar há vários dias e que somente fazia quando estava bebendo, o que também estava se esforçando para deixar de fazer.
A única saída era ir em busca de algum boteco aberto naquela hora da madrugada e assim o fez mas antes foi até o quarto da filha e beijou-a como se estivesse se despedindo, afinal, não sabia o que iria encontrar pela frente.
Saiu cuidadosamente levando apenas sua carteira e o isqueiro inseparável que ganhou do avô. Ao abrir a porta sentiu como se estivesse entrando em um novo mundo, era como se uma outra vida estivesse tomado conta dele e tudo o que tinha vivido ficaria preso em sua casa junto as suas roupas, seus livros, seus discos, suas coisas e as aquelas duas pessoas adormecidas. Carregava uma infinidade de possibilidades que poderia tornar-se real a partir da sua vontade e foi com esse sentimento que ele se desprendeu dos medos e decidiu encarar o novo mundo.
Todos os lugares que passou estavam fechados e restavam apenas bêbados perambulando nas calçadas em busca de gotas de prazeres efêmeros para saciar seus desejos. Continuou a caminhar e achou estranho o fato de não ter saído de carro pois quem sabe sentir-se-ia mais protegido, deixou de lado a idéia e logo tratou de aproveitar aqueles instantes.
Não encontrava cigarros e a vontade de fumar aumentava a cada vez que a busca era frustrada. Sentou-se na pracinha que há tempos atrás tinha o hábito de levar a filha para brincar no parquinho e que já esquecia a última vez que tinha isso. Olhou para o chão e percebeu várias bitucas de cigarros espalhadas e começou a juntá-las uma a uma na esperança de preparar um único cigarro para matar o seu vício pela nicotina, sem notar que nunca tinha feito aquilo. Pôs-se a fumar quando veio em sua mente as possíveis histórias de cada pessoa que teriam fumado aqueles cigarros que foram jogados fora e que agora voltavam a serem queimados em uma única história diferente e deixou levar-se pelo momento.
Voltou para casa como se uma nova sensação lhe tomasse conta, era como se aquele pequeno espaço de tempo representasse agora a tentativa de uma pausa em meio a vida tão conturbada que estava vivenciando. Entrou em casa e percebeu que ninguém tinha sentido a sua ausência, sentou novamente no sofá consumindo o cigarro mal enrolado mas que trazia um gosto diferente que ele não podia identificar.
Olhou para a taça de vinho ao seu lado que tinha anteriormente deixado na mesinha e ao tomar o último trago veio-lhe a dúvida:
Será que o que aconteceu na noite anterior foi real ou fruto de pensamentos sóbrios de uma inrresponsável embriaguez?

Nenhum comentário: