domingo, 7 de março de 2010

O que é um filósofo?

Quase todos os mais escolarizados sabem o que é. Todavia, quando a pergunta é dirigida a alguém que estudou filosofia ou que fez o curso de graduação em filosofia ou que é reconhecidamente um filósofo, nem sempre aquele que pergunta obtém uma resposta satisfatória. Não raro, os que estão na empresa da filosofia complicam demais a resposta. Como todo e qualquer campo do saber, quem está nele sabe que detém algum poder – isso nos foi ensinado por Bacon, de um modo, e por Foucault, de outro. Alguns acreditam, então, que se respondem às perguntas que lhe fazem de um modo complicado, podem exercer o poder de maneira ampliada. Afinal, tudo que é misterioso, mesmo no mundo moderno, o mundo que Weber qualificou de desencantado, parece guardar mais poder que aquilo que é exposto claramente.
É claro que, como Aristóteles notou e praticou, pode-se falar de filosofia em diversos níveis e para diversos públicos segundo discursos diferentes. Mas, enfim, isso é desse modo para qualquer assunto. O que não é impossível de fazer é não conseguir explicar, para alguém com alguma escolarização, o que é ser filósofo, e isso de modo claro, objetivo e até mesmo simples. Aliás, quem não expõe de modo claro o que pensa, não pensa bem – não sabe corretamente o que acredita que sabe.
O filósofo ocidental é aquele tipo de intelectual que está inserido na conversação inaugurada pelos pré-socráticos e, enfim, colocada de um modo durável por Platão. Trata-se da conversa que, depois de Aristóteles, chamamos de metafísica. Metafísica e alguma coisa que começamos a saber o que é quando a comparamos com a física.
A física fala do mundo, das coisas materiais. Sua função, ao menos no início das cosmologias, era o de procurar um princípio (um arkhé, em grego), dado por um elemento material (água, terra, ar e fogo – para os gregos antigos), cujo funcionamento e conduta, uma vez mostrados, diria como todo o mundo se faz e se organiza. A meta-física, como o próprio nome já diz, não se prende ao que é físico, vai além da física (ou aquém, dependendo do ponto de vista), e quer encontrar princípios que regem o mundo em algo não material. Está embutida na metafísica a idéia de que há a aparência e há a realidade essencial de tudo, e que, em geral, tomamos a aparência pelo real e, então, vivemos na ilusão. Assim, o irmos para além da física, ao entrarmos na metafísica, podemos desvendar os mecanismos pelos quais cometemos esse erro, o que nos faz cair na ilusão e não enxergar o real. Eis aí o trabalho da filosofia. Eis aí o que faz um filósofo, em um sentido bem amplo: ele é aquele que acredita que há uma ilusão – um especial tipo de ilusão – que dá um trança-pés na maioria das pessoas, os não-filósofos, e que ele, o filósofo, pode contar a tais pessoas como a estrutura do cosmos coloca a perna na frente de todos, armando o trança-pés. Antes que simplesmente expor o que é o real, o filósofo seria aquele capaz de mostrar o mecanismo pelo qual o real não estaria sendo captado pelo chamado senso comum.
É claro que há filósofos que dizem que toda essa conversa de metafísica é bobagem. São essas pessoas, que se dizem antimetafísicos, também filósofos? Na maioria dos casos, sim! Denunciar as ilusões da filosofia ou da metafísica, pela via cética ou pela via de pensamentos deflacionários – ou descritivos, como os de Donald Davidson – não coloca tais pessoas como quem não sabe o que diz a metafísica, mas, antes, como experts da conversação que veio desde os pré-socráticos e Platão – filósofos, então.
Cada filósofo autêntico é um ingênuo e, não raro, um presunçoso. Ele acredita – e tem de acreditar – que pode dar fim à filosofia, pois vai desvendar de uma vez o mecanismo que estaria dando o trança-pés em todos, ou seja, a armação do cosmos ou do mundo que faz com que o chamado senso comum tome o que é a mera aparência pelo real. Ao mesmo tempo, cada filósofo autêntico é um presunçoso, pois ele continua essa investigação mesmo olhando para trás e vendo que os que investigaram antes a questão não eram tolos – eram grandes filósofos.
Assim, em termos gerais, há dois tipos de filósofos: o metafísico e o deflacionário. Um, infla a filosofia com metafísica, o outro tenta fazer uma descrição do mundo racional, mas de um modo descritivo, querendo mostrar que não é necessário usar da dualidade central da metafísica – aparência e realidade – para tecer uma boa descrição do mundo, da nossa atividade no mundo e tudo o mais.
Esses segundos filósofos poderiam ser os cientistas? Não! Por uma razão simples: ainda que esses filósofos possam evocar algum tipo de empirismo ou pragmatismo, ou mesmo algum tipo de ceticismo, eles não fazem investigação a partir de experimentos e experiências, como os cientistas. Quando falam em experiências, estas são imaginárias, não são possíveis de serem efetivamente feitas em laboratório. São filósofos, sim, pois tentam fazer uma exposição geral do mundo a partir de uma descrição racional, ainda que digam que a exposição racional do mundo que estão fornecendo ou que poderiam oferecer tenha dispensado a presença do célebre trança-pés.
Particularmente, como filósofo, eu sou daqueles que ama ler os colegas metafísicos, embora me sinta mais companheiro dos deflacionários. Amo Platão, é certo, mas fui amigo, mesmo, de Rorty. (Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo)

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