segunda-feira, 17 de maio de 2010

Tabu negro

Filme revela os bastidores das ações afirmativas na Universidade de Brasília, levanta a questão de raça no Brasil e esquenta o debate que tramita no STF
Juliana Duarte

Ao entrevistar alunos, professores e funcionários da Universidade de Brasília para ouvir o que eles pensam a respeito da política de ação afirmativa adotada pela universidade, a diretora Dulce Queiroz revelou mais do que está por trás dos extensos corredores da instituição. De alguma forma, seu filme Raça Humana é um retrato da dificuldade do brasileiro em lidar com um assunto aparentemente consensual no país: a questão racial.
Incensados pela câmera, os entrevistados deixam transparecer discursos passionais, tanto contra quanto a favor da reserva de 20% das vagas da universidade para afro-descendentes, adotada há seis anos.
Funcionária da Câmara dos Deputados, formada em jornalismo, Dulce filmou Raça Humana para a TV Câmara a partir do seu interesse pela discussão legal sobre as cotas, que tem sua constitucionalidade questionada no Supremo Tribunal Federal (veja box). "O assunto entrou novamente em pauta em todo o Brasil. É um tema muito polêmico que gera discussões acaloradas", justifica.
No documentário de 41 minutos, que pode ser visto pelo site da TV Câmara (www.camara.gov.br), o expectador se depara com os argumentos de alunos e professores da UnB acerca do assunto que já virou tabu na instituição.
Dulce soube driblar a dificuldade e promoveu uma espécie de "mesa-redonda" para colher os depoimentos de alunos contra e a favor das cotas. Desses encontros, realizados em separado, pode-se ouvir comentários como "essa história de que a pessoa não consegue se formar ou entrar no ensino superior porque é negra é mentira," dita por um estudante de direito; e "cota racial não é racismo porque não hierarquiza grupos raciais, mas se propõe a igualar esses grupos sociais", argumento usado por um aluno cotista.
Dulce diz que escolheu a Universidade de Brasília para rodar o documentário pela própria atuação da universidade na questão, o que poderia render pistas para a discussão maior que tramita no STF. "Apostei na UnB por ser uma das poucas que adotaram unicamente o critério racial para a reserva das vagas. Se vivêssemos a rotina da instituição, teríamos um bom exemplo sobre as cotas. E foi o que aconteceu." Segundo dados da sua pesquisa, em 2009 mais de 90 instituições de ensino superior públicas adotavam algum tipo de ação afirmativa, sendo que a maioria combinava os critérios racial e social. A UnB manteve a raça como único critério.
Pressionada pelo "caso Ari" - no qual o primeiro estudante negro de antropologia também se tornou o primeiro a ser reprovado em uma disciplina - a Unb adotou as cotas raciais em 2004, mas nem por isso o assunto é consensual. "O tema é muito polêmico e se transformou num verdadeiro tabu. Ao contrário do que muitos podem imaginar, a maioria das manifestações vem de professores da UnB. Eles demonstram o que pensam em blogs e sites de relacionamento", relata Dulce.
Para ela, a dificuldade em falar abertamente sobre as cotas e promover debates significativos não é um resultado da falta de preparo. Pelos corredores da universidade, Dulce pôde ver que os grupos contra e a favor estão bem articulados. "O que não falta é informação", afirma.
Durante as gravações do documentário Raça Humana, a diretora presenciou a apreensão que tomava conta dos cotistas quando o assunto era o trâmite do debate no STF, que decide sobre a inconstitucionalidade das cotas e pode virar referência para todas as universidades públicas. "Eles estão receosos, têm medo de perder a vaga na universidade."
Segundo ela, o interesse não foi o mesmo por parte dos estudantes que são contra. "Eles foram representados pelos formadores de opinião, esses são maioria e defendem as cotas apenas quando o assunto é a questão da falta de recursos", diz Dulce.
Além da UnB, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) foi questionada durante a audiência, já que também adotou a reserva de vagas para negros e estudantes do ensino público.

fonte:http://revistaensinosuperior.uol.com.br

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